Como alguns de vocês devem saber, eu moro em Curitiba, assim como mais 2 dos 4 Hugos. Contudo, vivi parte da minha vida em Campinas e tenho família morando lá. Por isso, é bem comum meu deslocamento para Campinas e até passar férias inteiras lá. Qual foi minha alegria quando vi que a Anita Pravatti (@anitapravatti), tetra campeã do TCB, que já participou de 5 regionais, ia abrir um box dela lá. Eu que sou folgado demais, já me convidei para ir lá conhecer….
Depois de ter treinado alguns finais de semana (ou nem tantos assim), falei que ia passar as férias em Campinas e aí ela me convidou a treinar com ela, o treino dela. Imagina, passar o dia todo na box da Anita treinando com ela o treino dela. Uma vida de atleta! Isso tudo em fevereiro logo antes de começar o Open. Sonho né? Pois é….daí me veio a ideia de escrever esse artigo: 3 semanas de vida de atleta – treinando com Anita Pravatti. Aproveitaria e ainda faria minha preparação do Open com ela.
Para começar, ela não treina sozinha. Ela treina com seu marido Alberto Neto (@albertonetto), que hoje em dia é meu coach, e seu “minion”, Matheus Cardoso (@matheusscrd). Por que Minion? Por que ele passa o dia todo lá treinando com eles, mesmo não sendo atleta ou coach e ajuda em tudo, até na limpeza do box. Ele tem uma loja que funciona bem o suficiente que o permite ter essa vida. Além deles, treina a família Roo, com a Débora (@deb_roo, sócia na box e matriarca da família), a Isabella Medeiros (@isa_mroo), a filha de 17 anos, e o Miguel (@miguel_mroo), um adolescente de 13 para 14 anos. O marido de Débora, Hugo (@hugobuzzaroo), só treina à noite na maioria dos dias pois ainda mantém seu trabalho como advogado.
No primeiro dia, chego perto das 09 horas com uma aula ainda acontecendo. Cumprimento todos e logo vou pegando uma xícara de café que me é oferecida. Meio que nervoso aguardando o treino, Anita já me avisa….”vamos ver se você vai durar 8 dias nessa rotina. Se durar oito dias fica até o final.” Claro….nada que me preocupe. Afinal das contas a rotina dela é mais ou menos a seguinte:
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Período da manhã com muita mobilidade, vodoo floss, aquecimento e planilha do cubano. Sabe o cubano? O treinador do Fernando Reis? Ele mesmo. Na planilha tinha um pouco de muscle snatch, full snatch, clean and jerk, back squat, snatch pull e high box jump com lifter. Sim, tudo isso mesmo. Demorava umas 02 horas – 02 horas e meia para fazer.
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Período da tarde tinha uma mistura de treinos passados pelo Bernardo, seu coach de Brasília, com algumas coisas da planilha de seu marido. Um ou dois treinos de condicionamento metabólico que geralmente sugavam a minha alma. Mas que ela fazia de forma tranquila (ficava cansada…mas me humilhava constantemente).
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Depois ainda tinha uma sequência de acessórios de fortalecimento, de ginásticos e de midline para serem executados.
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Nossa rotina se separava quando ela ainda ia dar aulas na box e eu ia falecer em casa até o dia seguinte.
Se te pareceu muito, eu te garanto que é. Eram de 4 a 5 horas de treinos diários. Por vezes até 6. Confesso que só cumpri exatamente o que estava na planilha completa em dois dias. Mas estou me adiantando….vamos com mais calma.
Sobre a Rotina…
Como vocês podiam notar, eram duas sessões de treinos. Uma antes do almoço e outra depois do almoço. Isso, contudo, não significava que eles saíam da box de forma alguma. Após o treino de LPO, o Neto ia dar a aula das 12 horas. Eu, no início, ia para casa. Mas depois de um tempo que a vergonha acabou, eu ia na padoca comprar uma marmita para comer ali mesmo na box. Por vezes, a família Roo ainda cozinhava num fogãozinho e/ou churrasqueira que tinha na parte de trás da box e eu comia com eles. Sim, por que eles praticamente me adotaram ali. Raro se sentir tão bem longe de casa como eles faziam comigo. Por vezes, até a Kally, uma aluna da box, chegava lá com almoço para todo mundo. Quer pessoa mais fofa? E era comida para um batalhão!!!
A segunda sessão de treinos não começava logo em seguida. Enquanto o Neto ainda ia comer, a gente deitava no espaço reservado para as crianças que havia sido construído no box. Todos espalhados pelo tatame para tirar uma soneca. Era período de férias escolares, e Isa e Miguel ficavam o dia todo com a gente lá, então literalmente tinha 5 pessoas espalhadas por ali dormindo, esperando a comida assentar e o corpo recuperar um pouco antes do treino reiniciar. Por vezes ainda aparecia um ou outro louco para acompanhar o dia e fazer o treinamento completo e que rapidamente se adaptava ao estilo.
Lá pelas 14:30 a gente levantava do soninho, o WOD era escrito no quadro, o mimimi (principalmente de minha parte) começava e o aquecimento rolava. A box não é grande, apesar de ser incrivelmente bem equipada. Com assault bike, remo, um quarteirão de 400 metros, cordas e argolas suficiente, o rol de maldades disponível era exemplar. Isso por que ainda não tinha ski erg e GHD que vi recentemente quando voltei para validar o Open.
Quinta seria um rest ativo e domingo rest total. O tal do rest ativo um dia foi 5 km de corrida em torno da lagoa do taquaral (odiei esse dia), um parque na cidade de Campinas. Mas confesso que nem sempre esse rest ativo era obedecido. Em alguns sábados, a Anita era chamada para dar cursos em alguns boxes. Como ela não iria treinar sábado, também treinávamos quinta. Ela não treinava sábado…..mas eu ainda assim ia fazer o treino da box, muitas vezes seguido de uma cervejinha lá no quintal do fundo com alguns alunos e a família Roo (sempre bem representada pelo Hugo nesse quesito). Domingo minha vontade era nem sair da cama. Mas aí família e vida social também tem que ter seu lugar nas férias né…
Sobre os treinos…
Os treinos de LPO mudavam pouco de um dia para outro. Às vezes tinha front squat, às vezes snatch balance, às vezes hang snatch ou apenas clean. Mas o formato era o mesmo. Todo santo dia. Todos os movimentos mais agachamentos eram feitos. Cansado, com dores, não importava. Eu estava lá para fazer o treino dela. A vantagem para mim é que ela não apenas olhava e me corrigia, como tinha o Alberto Neto constantemente me empurrando e me dando valiosas dicas de movimentos. Por vezes ele até dividia a barra comigo – acho que por preguiça para montar outra barra. Mas eu sei que sempre me ferrava por causa disso por que os PRs dele eram maiores que os meus e ele me fazia fazer com os dele…claro. E até um certo limite que eu aguentasse.
Apesar de ser um treino sério, era a leveza do ambiente que fazia tudo ficar mais divertido. Quem conhece o Matheus sabe o palhaço que ele é. Tira sarro de tudo e de todos. Por vezes até acusando a Anita de ter inveja dos movimentos dele…coitado. A vantagem é que também é muito fácil tirar sarro dele (kkkkkkkkk). Isa, Miguel e Deb também treinavam pesado. Na verdade os três são treinados pelo Neto. Mas todos fazendo a planilha do Cubano com a Anita. E os adolescentes me impressionaram muito. A qualidade e mobilidade deles é de deixar qualquer um com inveja. De verdade.
Os WODs mudavam muito. Mas por vezes fazia EMONs de 21 minutos que, caso não cumprisse o que era designado, tinha que pagar depois. Vamos dizer que eu ficava mais tempo pagando o que devia do que os 21 minutos que era de treino. Além disso percebi que o Neto forçou muito uma amizade minha com aquela assault bike. Não, isso não me fez odiá-la menos. Nem me fez fazer as 20 calorias que ele me mandava por minuto em 7 rounds.
Foi nesse período que percebi também como os treinos acessórios para ombro, romboide, peitoral, posterior de coxa e afins são tão importantes e tão negligenciados por mim. Fiz questão de fazer quase todos os que o tempo que tinha me permitia. Afinal de contas não podia atrapalhar a aula das 17:15. E tinha ainda o treino de midline….uma combinação mortal de abdominas, L-sit, pranchas e etc que me deixavam diariamente com caibras na barriga. E não, isso não é exagero!! Mesmo!
Sobre a vida de atleta…
Talvez você já tenha sonhado em ser atleta de CF e se dedicar diariamente a 4-5 horas por dia de treinos intensos. Quem nunca? Eu mesmo sempre tinha sonhado isso. Mas olha, é uma vida difícil demais. Eu durei os 8 dias até mesmo uma promessa a mim mesmo depois do que a Anita falou. Durei mais…durei as três semanas que me propus. Mas confesso que só durei por que tinha me comprometido a escrever esse artigo.
Não foram poucos os dias em que acordava cansado, com dores, sem a menor vontade de sair da cama….e pensava: bom, a Anita já deve estar no box. Eu me comprometi a ter a rotina dela e terei essa rotina. Levantava, preparava a marmita para o dia todo e ia treinar. Se não sentia isso de manhã, sentia após o almoço, com o corpo cansado…e pensava, eu tenho que ir treinar. Achava que como não tinha objetivo de ir para os regionais ou Games, só era difícil mesmo para mim essa rotina. Puro engano.
Uma vez conversando com a Anita, perguntei se a minha estadia lá e dos outros a atrapalhava. Ela surpreendentemente disse que não. Na verdade, em alguns dias que ela precisava de mais concentração ela se isolava, mas ela disse que sempre respeitávamos o espaço dela. E que por vezes, ela nos via levantado a tarde animados para treinar e ela pensava: “se eles que não tem essa profissão, estão animados, eu tenho que estar ainda mais”. Sim, o que eu pensava ela também pensava e por vezes usava o Matheus ou o Miguel e a Isa para ela mesma criar forças para treinar.
Um dia ela até deixou escapar, mostrando umas fitas de 2009 quando ela começou a fazer CrossFit na casa com amigos, que aquela era a melhor época no CF da vida dela. A que ela foi mais feliz. Pois não tinha a pressão e os compromisso que ela tem hoje. Ao mesmo tempo, ela tem um sonho, que é participar do CF Games. E ela acorda todo dia e vai treinar todo dia pensando nisso.
Percebi que não é só querer ser atleta. Percebi que não é uma profissão tão divertida quanto pensava. Na verdade, é um trabalho muito complicado e com pouco retorno financeiro. Atleta no Brasil não é valorizado….a não ser jogador de futebol. Com pouco apoio, tendo que se desdobrar em aulas e cursos no fds, com uma filha pequena e com um ritmo de treino intensos, ainda me surpreende o sucesso que ela obteve nesse esporte que exige tanto das pessoas.
No final, a bem da verdade é que estava até com saudades de treinar apenas uma hora por dia mais ou menos…
Sobre os resultados…
Contudo, é inegável o quanto eu mudei e melhorei nessa estada com eles de apenas 3 semanas. Não foi pouca coisa que aprendi. Em termos de cargas talvez nem tenha mudado tanto. Mas no geral….foi bizarro.
Sem surpresas, Anita se classificou para os regionais. Na 14ª colocação da América do Sul. Esse sim um resultado surpreendente, sendo que ano passado ela tinha ficado em 3º na América Latina. Contudo, o foco do seu treinamento não está no Open. Está nos regionais. E é lá que ela espera que tudo isso faça diferença na hora de conseguir um lugar no Games.
Isabella também surpreendeu. Ela ficou em segundo no Brasil, atrás apenas da Luiza Marques, ficou em terceiro na América do Sul, e 62 do mundo na categoria 16-17 anos no Open desse ano e se qualificou para os online qualifiers.
Um outro adolescente que também faz a planilha do Neto, o Lucas Pusch, também se qualificou para os online qualifiers. Eu tive a oportunidade de treinar algumas vezes com ele e ele é um monstro com grande futuro no esporte. Para se ter uma noção, ele está em 14º no mundo e tem boas chances de ir para o Games na categoria 16-17 anos.
E eu? Bem…eu quebrei meu dedão esquerdo na segunda-feira antes do 18.2. Isso obviamente acabaram com as chances de regionais ou online qualifiers para master que eu já não tinha. Mas não acabaram com o open para mim. Fiz todos os WODs, mesmo com tala. Um outro desafio que se provou interessante. Mas que torna impossível qualquer comparação com anos anteriores, infelizmente. Minha preparação para o open não serviu para o Open…mas servirá para o resto do ano todo, tenho certeza.
Sobre saudades que ficam…
Eu sei que esse artigo já está longo demais. E vocês podem até pensar….que saudades você teria depois de apenas 3 semanas? MUITAS.
Saudades da convivência com Déb, Hugo, Miguel e Isa. Desculpem-me pela intromissão, mas muito obrigado por terem me recebido tão bem nesses dias. Ver o empenho que vocês treinam e lidam com o box é louvável. Ainda bem que sempre que posso volto a campinas e passo lá para treinar com vocês e acompanhar o desenvolvimento.
Saudades de treinar diariamente com um cara como o Neto. Não me levem a mal (principalmente todos os coaches que eu já tive e tenho grande respeito por eles), mas nunca encontrei um cara que soubesse tanto e que conseguisse tão bem cuidar de uma turma como ele. Claro que ainda peno fazendo sua planilha, que tem me ajudado muito, mas não é o mesmo que ter do lado empurrando, xingando, corrigindo e torcendo.
Por fim, saudades de ter compartilhado a preparação de uma das melhores atletas do país em sua busca pela realização de um sonho. Estava ao lado dela quando Neto recebeu o e-mail da CrossFit convidando-a a realizar o 18.1 ao vivo. Foi uma mistura de surpresa, encantamento e nervosismo tudo ao mesmo tempo que vi no rosto dela. Foi emocionante fazer parte desse momento e espero sentir uma emoção ainda maior lá nos regionais quando você conseguir a vaga.
Nada contra as outras atletas…mas gosto de pensar que depois desse tempo intenso que convivi com todo esse povo, que estou escrevendo um artigo sobre pessoas sensacionais, extremamente competentes e que se tornaram meus amigos.