CrossFit enfrenta problema com o registro da marca no Brasil

Os que nos acompanham sabem, a palavra Crossfit não denomina um esporte, pois de fato não pode ser assim considerado. CrossFit é uma marca, criada e de propriedade da Crossfit Inc, sediada nos EUA, para denominar um programa de treinamento que todos nós conhecemos.

Resumidamente,  a propriedade de uma marca é obtida através de um processo administrativo, que inicia com o protocolo de um pedido de registro, descrevendo se a marca pretendida será na forma escrita, figurativa ou mista (figura + texto). Tal pedido é protocolado junto ao órgão governamental competente de cada país onde se pretenda fazer uso da marca. Há alguns casos em que é possível estender um pedido para múltiplos países, mas isso é uma outra história. O mais comum é que se faça o pedido em cada país individualmente.

Durante o processo de análise do pedido de registro de uma marca, são analisados requisitos legais e formais, bem como manifestações de terceiros que eventualmente se oponham ao pedido registro. Se tudo estiver certo, o pedido de registro é então deferido e expede-se um certificado de registro da marca. Este trâmite geralmente leva alguns anos até ser concluído.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a Crossfit Inc, protocolou o pedido de registro da marca junto ao órgão competente UPTO (United States Patent and Trademark Office) em 2009. No entanto, o certificado de registro em seu nome foi expedido somente em 2013.

Há outros detalhes importantes que devem ser observados no processo de registro como, por exemplo, a obrigatoriedade do pretendente a titular, mencionar em quais classes pretende o registro. A razão disso é que para cada aplicação ou segmento em que se pretenda explorar uma marca, há uma classe específica em que ela deverá ser registrada.

Exemplificando, para utilização de uma marca com a finalidade de venda de camisetas, será necessário fazer o registro numa classe específica que, por sua vez,  será distinta da classe que é utilizada para atividades de prestação de serviços. Ou seja, para que uma marca tenha múltiplas proteções e aplicações, é necessário fazer diversos pedidos de registros em classes distintas.

Antes mesmo do deferimento final do pedido de registro da marca, o titular já dispõe, automaticamente,  de alguns direitos e garantias, tais como a possibilidade de licenciar uso da marca e cobrar por isso,  ter exclusividade no seu uso, bem como a proteção contra eventuais atos de concorrência desleal.

Alertamos que essa introdução, um pouco mais técnica e chata –  sim sabemos disso – foi necessária, para que possamos ajudá-los a entender melhor o que de fato está acontecendo com a situação de registro e titularidade da marca CrossFit no Brasil e os problemas que a CrossFit Inc está enfrentando.

Para que um box, em qualquer lugar do mundo, torne-se oficialmente um afiliado da CrossFit INC, e possa legalmente utilizar a marca CrossFit, ele deve assinar um contrato, denominado “Crossfit Affiliate Agreement” que dentre outros direitos e deveres, prevê o licenciamento da marca e a obrigação de um pagamento anual de US$ 3 mil como contrapartida à sua exploração.

Em função disso, a fim de manter sua situação contratual regular em relação ao licenciamento das marcas no Brasil, a CrossFit Inc protocolou pedidos de registro da marca CrossFit junto ao INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), órgão competente, nas classes relacionadas à venda de calçados, artigos do vestuário bem como para educação, atividades desportivas, academias, academias de ginástica, ensino, etc.

Na classe para aplicação no comércio de calçados e vestuário, o pedido de registro foi deferido em 2017 e a marca Crossfit, desde então, para esta aplicação específica é de propriedade e de uso exclusivo da CrossFit Inc.

No entanto, o registro para designação de academias, que foi protocolado em 2010  foi indeferido pelo INPI, mediante decisão publicada em maio de 2015.

Curiosamente, o argumento utilizado pelo INPI para negar o pedido foi uma suposta generalidade do termo, em outras palavras, a marca CrossFit, segundo o entendimento dos examinadores, teria se tornado uma expressão e sinal de uso comum ou vulgar. Assim, teria deixado de atender a um requisito legal e fundamental para concessão do registro que é o da distintividade.

A CrossFit Inc então recorreu da decisão do INPI e apresentou uma extensa documentação em que busca atestar o caráter distintivo da marca, fama internacional e propriedade da marca CrossFit em relação a serviços de treinamentos físicos e atividades correlatas.

Ao que parece, a demora de impressionantes 55 meses para o INPI analisar o pedido de registro (2010 a 2015), que é muito acima do razoável, contribuiu muito para que os examinadores concluíssem que a palavra Crossfit tornou-se um termo ou expressão de uso comum e, de acordo com os requisitos previstos na Lei de Propriedade Industrial (LPI), não poderia então ser objeto de registro e propriedade exclusiva de apenas uma empresa ou pessoa.

Ocorre que, desde 2010, enquanto o registro da marca ainda estava sendo avaliado pelo INPI, a CrossFit, Inc. continuou seu processo de divulgação da marca e expansão no Brasil e conta hoje com mais de 1.000 afiliados. Neste período, também, o Brasil se tornou o segundo maior país em número box afiliados, perdendo apenas para os Estados Unidos que ocupa a primeira posição. Isso obviamente contribuiu para a disseminação e popularização da palavra CrossFit e pode ter induzido a erro os examinadores, fazendo-os crer que a palavra é de uso comum e não uma marca.

Além disso, neste período, a CrossFit Inc, também intensificou o combate às tentativas de uso indevido da marca (sem a assinatura de contrato e pagamento de taxa de filiação) bem como adotou providências em todas as tentativas de registro da marca por terceiros. Muitos deles, inclusive, são box afiliados que, talvez por desconhecimento, tentaram registrar junto ao INPI a sua marca acompanhada da expressão CrossFit, por exemplo: Hugo Cross Crossfit.

No site do INPI, inclusive, é possível identificar um grande número de box afiliados que, curiosamente, tentaram registrar sua marca acompanhada da palavra CrossFit, mesmo que isso seja expressamente vedado no contrato de afiliação. Na grande maioria destes pedidos, devido à vigilância da CrossFit Inc, ou houve desistência, suspensão indeferimento. É possível notar que CrossFit Inc está tem atuando com bastante efetividade nessas ações visando a proteção da marca.

A verdade é que ao longo desses anos a CrossFit buscou inovar no seu ramo, fortalecendo a imagem de sua marca com a promoção de diversos eventos com o Open, Regionais, CrossFit Games e, agora recentemente, através das parcerias com os chamados Eventos Sancionados. Tudo isso, junto a uma estratégia de marketing muito eficientes, gera uma inegável notoriedade e reconhecimento pelo mercado.

A sua intenção, ao que parece é também tentar estabelecer uma relação de confiança com o consumidor no Brasil, criar laços, através de ações como o oferecimento de cursos de graduação como as certificações aos profissionais de educação física interessados em atuar com a marca em diversos níveis (Level I, Level II, Level III). Também oferece outros cursos de aperfeiçoamento, tendo  os quais como objetivo capacitar tais profissionais e dar-lhes excelência na aplicação do método.

Em razão de tais elementos, a meu ver, eu, Márcio, Hugo 4, como  advogado de escritório que atua na área, a decisão do INPI que indeferiu o registro da marca, pareceu-me equivocada, pois desprezou diversos aspectos práticos e notoriamente reconhecidos pelo mercado e consumidores, que quem frequenta box afiliado certamente reconhece.

Como o recurso que foi protocolado ainda lá em meados de 2015 e ainda não foi julgado pelo INPI, agora, no mês de outubro de 2018, a CrossFit Inc., protocolou novos documentos na tentativa de mudar o entendimento do INPI.

Ela reforçou seus argumentos, no sentido de que a palavra CrossFit é notoriamente reconhecida como uma marca que descreve um produto. Para isso, juntou ao conjunto de documentos, um parecer de especialistas de renome no assunto, os quais, inclusive, fizeram uma pesquisa de campo, através de entrevistas realizadas em todas as regiões do Brasil, em conclui que a grande maioria das pessoas, reconhece CrossFit como uma marca. Além disso, trouxe diversos artigos, estatísticas de buscas no google, dentre outros elementos para reforçar seus argumentos.

Os argumentos da CrossFit trazidos para justificar o registro da marca, e reverter a decisão negativa do INPI, parecem-me bastante robustos e, na minha modesta opinião, há boas chances de que o recurso tenha êxito e ela obtenha finalmente o registro e propriedade definitiva da marca no Brasil

Fato é que a discussão está longe de ser finalizada, pois caso as razões do recurso não sejam acatadas pelo INPI e este mantenha a decisão que indeferiu o registro da marca, como se trata ainda de uma fase administrativa, a CrossFit Inc ainda poderá recorrer ao judiciário, e em uma ação própria, para tentar novamente reverter a decisão do INPI que lhe foi desfavorável e assim obter o registro definitivo da marca.

Enquanto isso, é preciso que se esclareça que nada muda em relação à situação da CrossFit no Brasil, seja em relação a seus afiliados, ou terceiros não afiliados, os quais continuam sendo proibidos de utilizar a marca CrossFit sem autorização da CrossFit Inc. e são passíveis, inclusive de medidas legais, caso descumpram tal proibição.

Em função da relevância disso, que pode causar uma série de discussões caso o a Crossfit não obtenha o registro definitivo, continuaremos acompanhando o caso e informaremos qualquer novidade.

 

Texto escrito pelo advogado Márcio Brito – Hugo4

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