Em um post no Instagram da CrossFit foi anunciado o que já se suspeitava. Greg Glassman diz que deixa de ser o CEO e irá se aposentar. Dave Castro assumirá como CEO da Crossfit, como medida para tentar estancar a verdadeira debandada de patrocinadores importantes, atletas e de boxes, em uma quantidade, talvez suficiente para, se não por fim, tornar a empresa muito menor e menos representativa e relevante do que já foi no mercado fitness mundial. Em seu primeiro pronunciamento no post da CrossFit, ele chama atenção que a comunidade está machucada e que, como a comunidade envolve pessoas com opiniões, visões e experiências diferente, o atrito é inevitável. Nenhuma menção explícita é feita ao episódio específico. (veja as declarações no final da matéria)
Mas o que nos questionamos é: Será que apenas a troca de Glassman pelo carismático e respeitado Dave Castro, seria capaz de estancar a sangria da empresa neste momento e apaziguar um pouco os ânimos para se buscar uma restauração da imagem e da credibilidade da Crossfit no mundo?
É certo que as recentes e desastrosas manifestações de Greg Glassman, e a consequente perda da confiança na capacidade do CEO de bem gerir o negócio do qual são parceiros os afiliados e patrocinadores, para muitos, de fato foram a principal causa desta debandada.
É importante destacar que ninguém pode simplesmente medir os outros com a sua própria régua. Para muitos boxes, de fato, essa declaração foi suficiente sim para anunciarem a sua desfiliação e patrocinadores para se desvincularem da crossfit.
Para outros, foi apenas o estopim. Não é de hoje que muitos boxes se encontram descontentes com a CrossFit. Assim como em um namoro, há divergências, e o término de um relacionamento nem sempre ocorre por causa de um único fato. Você pode até tolerar algumas coisas, mas chega um ponto em que você tem que traçar a linha do que é aceitável ou não. E para muitos, essa linha foi ultrapassada pelo Greg esse último final de semana.
Mas o que ocorreu antes? Por que isso poderia ser apenas a gota d’água?
Não é segredo para ninguém, que de um tempo para cá, um número grande de afiliados ao redor do mundo estão insatisfeitas com a Crossfit, especialmente aqui no Brasil, segundo mercado mundial da empresa, que sofre com a crise decorrente da pandemia e com um câmbio que elevou muito o valor da taxa anual cobrada para utilização da marca. Isso não pode ser simplesmente repassado aos alunos, pois as mensalidades já não são necessariamente baratas para o padrão brasileiro.
Ainda, em contato com muitos proprietários de box, o que nos parece é que há um consenso em relação à impressão de que a CrossFit deixou seus afiliados abandonados, sem muitas orientações ou suportes pontuais, especialmente neste momento difícil, não há uma estratégia ou planejamento tanto para o momento de crise como para o pós crise.
Esse “descuido” na relação com muitos afiliados, gera uma impressão de que não há uma contrapartida justa em relação ao que é pago para a CrossFit, especialmente em relação àqueles box que já estão bem estabelecidos.
Não que o contrato de licenciamento firmado com as afiliadas, preveja uma obrigação de suporte e transferência de know how, pois não se trata de uma relação de franquia, mas de licenciamento puro de marca em que uma empresa autoriza a outra que a utilize sobre determinadas condições e só isso.
Mas será que a Crossfit, mesmo assim, não poderia fazer mais? Na nossa opinião poderia sim: ser mais zelosa, atuante e manter uma relação mais próxima com os boxes a fim de discutir e trazer soluções para diversos problemas e situações que são comuns a todos.
Como comentou um dos “Hugos”, o Ricardo, que possui muita experiência no universo corporativo americano, a CrossFit é uma das empresas mais reativas que ele conhece, pois só toma decisões e medidas, depois que o problema já está instaurado e já se tornou crítico demais, dando sempre a impressão que não há planejamento estratégico a médio e longo prazo, o que impossibilita a adoção de medidas preventiva.
Além disso, em relação aos afiliados, como o principal elemento do contrato e da parceria comercial com a Crossfit é a marca e o conceito que a acompanha, a sua divulgação massiva e efetiva é parte importantíssima das obrigações da Crossfit Inc.
Neste sentido, a recente saída das redes sociais, Facebook e especialmente o Instagram, determinada por Glassman, bem como pelo fato da equipe de mídia ter sido dizimada, não é absurdo pensar que teve um impacto significativo em relação à divulgação e posicionamento da marca e consequentemente impactou nos afiliados e também nos parceiros comerciais.
É fato que tendo sofrido com o erro, voltaram à essas redes sociais, mas o estrago já tinha sido feito.
Glassman parece ter menosprezado a força das redes sociais, bem como da promoção e importância dos Crossfit Games, subestimando os efeitos desse recuo nos negócios da Crossfit e por consequência dos afiliados.
A ironia, foi que justamente uma declaração, no mínimo extremamente infeliz, em uma rede social, somado ao e-mail em que dispara absurdos contra uma afiliada, mais relatos de reunião privada no Zoom, mancharam a sua reputação pessoal e por consequência da própria organização.
A conta de erros estratégicos de governança empresarial, mais o temperamento intempestivo de Glassman, parece ter chegado, e uma empresa que valia bilhões de dólares até pouco tempo, pode ser reduzida a pó.
De nossa parte, lamentamos, pois, sem menosprezar os acontecimentos recentes, é fato que Glassman e a Crossfit, e uma expansão e popularização quase sem precedentes, além de ter ajudado muitos empreendedores ao redor do mundo, levou saúde, melhoria na qualidade de vida, na autoestima, no estado mental e psicológico e, sem exagerar, pode ter ajudado a salvar muitas vidas.
Não estamos aqui afirmando ou menosprezando as convicções de ninguém que somente agora em função das declarações do Glassman decidiu abandonar a Crossfit, tampouco, ainda que de forma indireta rotulando ninguém de oportunista, estamos apenas trazendo fatos e tentando entender esse, talvez, lamentável desfecho para a Crossfit, e que talvez, os últimos acontecimentos podem ter sido apenas a última gota d’agua em um copo que já estava por transbordar.
E com o Castro assumindo?
Por fim, entendemos que a nomeação de Dave Castro como CEO, pode significar um recomeço, mas apenas isso não será suficiente. Será preciso conceber um planejamento estratégico que envolva, desde uma retratação mais contundente das declarações de Glassman e da Crossfit como instituição, bem como ações concretas, em relação as questões racionais, bem como de aproximação no relacionamento com os afiliados, atletas, patrocinadores, pois a simples troca de comando, sem uma mudança de fato nas práticas e postura de empresa, não irá convencer afiliados a voltarem, bem como não evitará que mais afiliados e patrocinadores se desvinculem da empresa.
Vale lembrar que ainda resta saber se Greg Glassman será o dono ainda de toda a CF e ganhando todo o lucro dela e no fundo, podendo trocar de CEO como bem entender. Isso ainda pode afugentar muitas empresas e afiliadas que ainda terão a ligação da CrossFit com Greg.
Por fim, vale salientar que ano passado, numa coletiva de imprensa durante os Games 2019, quando indagado sobre como trazer mais diversidade ao grupo de atletas finalistas (na mesa eram todos brancos), ele apenas riu e desviou o assunto falando da próxima prova.
Por isso, fica a pergunta, será o suficiente?
Greg Glassman
“Estou deixando o cargo de CEO da CrossFit, Inc. e decidi me aposentar. No sábado, gerei um problema na comunidade CrossFit e magoei acidentalmente muitos de seus membros. Desde que eu fundei a CrossFit, há 20 anos, ela se tornou a maior rede de academias do mundo. Todos estão alinhados ao oferecer uma solução elegante para o vexatório problema de doença crônica. Criar o CrossFit e apoiar seus afiliados e legiões de treinadores profissionais tem sido um trabalho de amor.
Quem me conhece sabe que meu único tema é a epidemia de doenças crônicas. Sei que o CrossFit é a solução para esta epidemia e que o CrossFit HQ e sua equipe atuam como administradores das afiliadas do CrossFit em todo o mundo. Não posso deixar meu comportamento atrapalhar as missões do HQ[matríz] ou de afiliados. Eles são importantes demais para comprometer. ”
Dave Castro
“O CrossFit é uma comunidade global, diversa e forte. Cada pessoa em nossa comunidade compartilha um vínculo comum. Todos nos dedicamos a uma abordagem visionária e transformadora da saúde e fitness. Nossas paixões individuais por essa abordagem forjaram uma comunidade duradoura.
Nossa comunidade está ferida, no entanto. Nosso vínculo compartilhado reúne milhões de pessoas com opiniões, pontos de vista e experiências diferentes. O atrito é inevitável. Terrenos comuns, respeito mútuo e comunhão também devem ser inevitáveis. Sinto-me honrado em assumir o cargo de CEO da CrossFit, Inc. Espero fazer o certo por afiliados, treinadores, atletas e outros membros da comunidade CrossFit em todo o mundo e nunca perder de vista a missão que Greg estabeleceu para todos nós . ”