No último final de semana foi realizado, na cidade de Maceió, a segunda edição do American Crime Games. O evento juntou mais de 730 participantes para se divertirem e testar o seu fitness durante três dias em uma das cidades mais bonitas do Brasil.
Contudo, o que era para ser mais uma edição de sucesso, foi palco de uma tragédia, quando o praticante Ismael Jeferson Marques de Andrade passou mal durante uma prova e precisou ser levado ao hospital. O fato ocorreu aproximadamente ao meio-dia de sexta (21), durante a primeira prova. Porém, às 21h20m a notícia de que infelizmente o rapaz de 28 anos havia falecido abalou a estrutura de todos no evento.
O assunto rapidamente ganhou as manchetes da grande mídia. Até mesmo um vídeo feito por uma pessoa na plateia mostra Ismael sendo carregado por seus companheiros. O vídeo contém cenas fortes e não mostra o ocorrido por inteiro, e por respeito à dor e aos familiares e amigos, não o colocaremos nessa matéria. Porém, o corte supostamente feito levantou dúvidas a respeito da atuação da equipe do American Crime Games no socorro ao atendimento de Ismael, que é policial de Sergipe e havia ido para Maceió só para a competição.
Diante da polêmica e para tentar esclarecer o que aconteceu de fato e as ações tomadas pela organização do evento, conversamos com Victor Mafra, organizador da competição. Nitidamente abalado com o caso, o produtor concordou conversar com a equipe do HugoCross e Hora do Burpee para trazer a sua versão dos fatos e tentar esclarecer o que aconteceu durante a competição.
O que apareceu e o que não apareceu no vídeo
Inicialmente, Mafra explicou o que todos viram e não viram no vídeo que circula nas redes. “O Ismael aparece carregado pelos dois companheiros de equipe. No entanto, na realidade, inicialmente eles não permitiram que a equipe de socorro interferisse, pois os três gostariam de finalizar a prova. Quando eu vi o que estava acontecendo, sai correndo em direção a eles e disse que não poderiam continuar daquele jeito (sou o de boné indo até eles). O vídeo para por ai, por isso não mostra que logo em seguida chega a ambulância e os primeiros socorros são feitos e o atleta redirecionado à unidade ambulatorial mais próxima”.
Vale salientar que a organização do evento contava com duas ambulâncias no local e 12 bombeiros para o atendimento ao público em geral. Além disso, o evento tinha seguro para a competição e para os atletas.
Segundo Mafra, Ismael estava acordado e só reclamava de não sentir as pernas: “ele estava completamente lúcido, foi conversando com a enfermeira. Aliás, ele contou para ela que era policial e deu o telefone de contato do irmão dele para nós”. O rapaz foi levado para uma UPA que fica aproximadamente três minutos do Estádio Rei Pelé onde foi prontamente atendido pelos médicos do local.
A morte
“Por volta das 16h, após diversos procedimentos, ele foi colocado no soro para se hidratar, o médico contou que ele tinha problema nos rins, que nem mesmo o próprio Ismael sabia que tinha. Mas ele estava bem, então voltei para o evento e pedi para que o amigo dele que foi junto me dar notícias. Depois de um tempo liguei para esse rapaz e ele disse que o Ismael estava um pouco melhor, que tinha conversado com ele e disse que iria [o amigo do Ismael] para o hotel pegar as coisas deles”.
Porém, aproximadamente as 17h30m Ismael teve uma parada cardíaca e precisou ser entubado. “Quando entrei em contato com o hospital soube do ocorrido, então liguei para o amigo dele, que também não sabia de nada, tanto ele como eu retornamos a UPA. Ele parecia ter sido estabilizado, quando às 21h30m ele teve outra parada e não conseguiram mais reanima-lo”. O laudo médico apontou que Ismael havia morrido de Insuficiência Renal Aguda devido a Rabdomiólise.
Após a primeira parada, de acordo com Victor Mafra, apesar dele ter conseguido uma vaga na UTI em um hospital da cidade, a equipe de médicos da UPA achou que seria muito arriscado o transporte.
O que é a Rabdomiólise?
Segundo médicos especialistas consultados, a rabdomiólise ocorre quando as fibras musculares danificadas por doença, lesão ou substâncias tóxicas se rompem e liberam seu conteúdo na corrente sanguínea. Essa doença grave pode causar lesão renal aguda. Manifesta-se por diurese com urina escura, seguida de fraqueza e imobilidade dos membros por intensa dor.
Pode regredir em 2 ou 3 dias ou persistir por um período de até 6 meses. Cerca de 15% dos pacientes com este diagnóstico evoluem para óbito, quase sempre por insuficiência renal. Segundo consta, Ismael pode ter se hidratado pouco, associado ao exercício extremo no sol de meio dia pode tê-lo levado a este quadro.
‘Porém, tão importante quanto o exercício como causa primaria da rabdomiólise, são as causas secundárias que, associadas ao exercício, possuem grande potencial de desenvolvimento e agravamento da síndrome. As mais comuns envolvem o uso de substâncias como drogas (lícitas ou ilícitas), esteroides anabolizantes, diuréticos; ingestão alcoólica; fatores estressantes externos, como a temperatura e umidade do ambiente; e até fatores de predisposição genética, como condições patológicas’
Nefrologistas ouvidos pela reportagem relataram que a insuficiência renal aguda vem de uma súbita e rápida perda da função renal e não seria uma condição pré-existente. Não se sabe se Ismael teria, contudo, uma insuficiência renal crônica, agudizada posteriormente. De fato, relatos da organização dão conta que Ismael pediu a alta e os médicos o quiseram deixar em observação.
Mas na realidade o caso não é incomum dentro do esporte. Em 2015, a atleta Annie Thorisdottir foi diagnosticada com rabdomiólise após a prova MURPH, nos CrossFit Games de 2015. A mesma admitiu não ter se hidratado o suficiente na ocasião.
Sem contato com a UPA
Nós tentamos contato com a UPA Trapiche da Barra para verificar os procedimentos adotados durante o atendimento como, por exemplo, se foi pedida uma diálise para evitar uma hiperpotassemia (grande liberação de potássio), que pode levar à parada cardíaca. Infelizmente até o presente momento não conseguimos respostas.
Continuidade do American Crime Games
Nas palavras de Mafra: “Para nós o evento tinha acabado ali. Aliás, estávamos montando o anúncio do cancelamento para colocar para todos por conta da morte do Ismael. Porém, após o entendimento de mais detalhes do caso com os amigos que estavam com ele, foi reforçado – diversas vezes – o quanto o Ismael era apaixonado pelo esporte, o quanto era o mais bem condicionado do grupo e incentivava os amigos a continuarem. Uma vez que ele estava muito empolgado com essa competição”.
Desse modo, algumas das últimas palavras do atleta com o amigo foi sobre a frustação sobre não ter concluído a prova, como eles haviam feito uma semana antes nas mesmas condições de clima e temperatura. Assim, a produção conversou com os amigos sobre dar continuidade à competição. Dessa forma a organização do American Crime Games decidiu continuar a competição. O evento começou com 1 minuto de silêncio e com uma salva de palmas em homenagem ao atleta.
Produção abalada
Embora tenha escolhido por continuar o evento, o próprio produtor conta que o ocorrido fez com que o encanto da competição acabasse para ele. “Não tinha mais cabeça depois disso, entregamos o evento do jeito que pudemos entregar, longe do que pensávamos e queríamos. Afinal, a morte de Ismael abalou todos da organização, como se fosse um de nós. Fazemos porque amamos o esporte, afinal não trabalhamos com isso, efetivamente. Fazemos o evento para trazer um evento esportivo lindo e de qualidade para pessoas aqui no Nordeste”. Mafra acrescentou que competição arcou com todas as despesas de translado e enterro de Ismael.
De acordo com a reportagem do G1, a Polícia Civil abriu inquérito para investigar o caso e deve começar a ouvir testemunhas hoje mesmo. Veja a seguir a nota do evento e a nota da corporação onde o policial Ismael trabalhava
Nota de Pesar
No sábado, após a notícia de falecimento de Ismael, a equipe do American Crime Games lançou em suas redes sociais uma Nota de Pesar:
“O American Crime Games vem a público manifestar nosso profundo apoio e solidariedade à família do atleta que, fatalmente, veio a óbito na noite do dia 21/04.
Os primeiros socorros foram prestados de maneira imediata por parte da organização do evento. O atleta foi tempestivamente redirecionado a unidade ambulatorial mais próxima. Onde foi internado e recebeu todos os cuidados médicos.
O laudo apontava um quadro de insuficiência renal aguda que, infelizmente, o atleta o desconhecia.
Lamentamos o acontecido e externamos, também, nossos sentimentos de acolhimento e condolências aos membros da comunidade do mesmo”.
“Nota do 9º BPM
É com profundo sentimento de pesar que informamos o falecimento do SD PM Ismael Jeferson Marques de Andrade. O Policial Militar fazia parte da corporação desde o ano de 2018 e integrava o efetivo do 9° Batalhão desde 2019. SD J. Marques participava de uma competição esportiva de Crossfit onde veio a passar mal e foi socorrido, mas infelizmente, não resistiu. O policial tinha 28 anos, era solteiro e residia em Nossa Senhora da Glória – SE. A alegria era sua característica principal, desenvolvia um bom relacionamento com todos.
Em luto, o Tenente Coronel Winston Santana, manifesta os mais profundos sentimentos de solidariedade à família e amigos. Que Deus, com sua infinita bondade, conforte todos neste momento de dor e saudade.”
Nós do Hugo Cross e da Hora do Burpee, da mesma forma, manifestamos o nosso mais profundo pesar e sentimentos aos familiares e amigos de Ismael.
Matéria em conjunto com A Hora do Burpee https://horadoburpee.com.br/atualidades/american-crime-games-fala-sobre-morte-de-participante/